"Ponto de vista": "Redes sociais": um novo "Poder" ?


    "Redes sociais": um novo "Poder" ?

Recente acontecimento a que foi dado grande relevo nos meios clássicos de informação pública suscita de novo interrogações sobre os métodos de selecção e difusão de notícias por aqueles meios face à crescente importância das chamadas "redes sociais" - nomeadamente o "Facebook" e o "Twitter" - na circulação de informação quer escrita quer de natureza audio-visual.

Tal acontecimento foi um jantar para algumas dezenas de pessoas de relevo na organização da "Web Summit", realizado no Panteão Nacional, que foi noticiado com enorme relevo em importantes órgãos de informação escrita, bem como através de emissoras de televisão, invocando-se para tal destaque uma suposta indignação geral em "redes sociais" pelo facto de o evento ter ocorrido naquele local.

O facto é que há alguns meses análoga concretização tinha tido lugar no mesmo sítio, sem que tivesse havido o mais pequeno murmúrio público, nem sequer referência ao facto de os regulamentos vigentes permitirem realização de jantares no Panteão.

Bastou um pequeno vídeo do acontecimento, seguido provavelmente de alguns telefonemas de uma das pessoas que o viu, feitos para jornalistas amigos, para transformar aquele episódio numa enorme manifestação de "indignação nacional", com pronunciamentos críticos de altas personalidades da política, incluindo o Presidente da República, traduzidos quase de imediato por céleres intenções de modificação dos respectivos regulamentos vigentes.

A receita parece simples: um jornalista, eventualmente mancomunado com personalidade
influente, escolhe um episódio - preferencialmente de natureza audio-visual e com notória carga emocional - publica-o (ou recorre a outrem para o fazer) em "redes sociais", nomeadamente no "facebook" - e publica-o com relevo mencionando que se está a tornar "viral" nas "redes sociais".

Podia não estar a ser largamente difundido, mas de imediato torna-se objecto de cópia e retransmissão ("partilha", como o novo léxico estabelece...) em processo exponencial de realimentação, numa simbiose entre o clássico IV Poder e um novo sub-Poder deste IV: as tais "redes sociais", paraíso da desinformação.

O IV Poder - e não é por acaso que tem sido apelidado de "Os Média" - está a ver-se cada vez mais condicionado pela concorrência gerada pela emocionalidade de acontecimentos, que cada vez mais é preciso noticiar desde logo, sem os verificar quanto à sua origem e fundamentação, função que devia caracterizar desde logo o acto de mediação.

Estamos perante algo de mais grave do que a elaboração de notícias falsas, que são susceptíveis de serem detectadas logo ao fim de algum tempo, e mesmo por leitores ou "auvintes" mais desprevenidos, pois estamos perto da desinformação que conduz à alienação face a preocupações com questões mais importantes e que assim deveriam ser alvo de tratamento preferencial.

Situação preocupante, relativamente à qual apenas a constituição de grupos de "Media" o mais independentes possível poderá reduzir os perigos que, decorrentes de alienação desinformativa, se deparam à democracia - que requer cidadãos cada vez mais e melhor informados sobre as prioridades a atribuir a questões a resolver.

E como constituir tais grupos?

Através de conjuntos de cidadãos que os financiem. Sem contrapartidas e apenas com a consciência de que estão a contribuir para a existência de uma sociedade melhor informada.

Doutro modo assistiremos ao crescimento de um V Poder, polvo disforme utilizável segundo as conveniências de quem manobre melhor de acordo com o conhecimento dos metadados identificáveis nas tais "redes sociais".

19.Novembro.2017