"Ponto de vista": A descentralização presidencial.


  A descentralização presidencial.

Ao iniciar há dias o seu terceiro ano de mandato assinalou o Presidente da República que entre as principais questões que considera serem as mais importantes para o nosso país se encontra a descentralização - nela incluindo o reordenamento territorial - assunto a que já se tinha referido por mais que uma vez, acentuando inclusivamente a urgência da respectiva concretização, a que agora atribui ainda maior premência dado o ciclo eleitoral que se avizinha.

Nas minhas net-páginas tenho vindo insistentemente a referir esta questão, focando essencialmente não só as necessárias correcções às dimensões territoriais das freguesias (desde as que abrangem mais de 60 mil eleitores às que no castigado interior foram suprimidas quebrando um dos poucos laços institucionais que as uniam aos "senhores de Lisboa" ou às Câmaras Municipais), mas também a desproporção entre as competências atribuídas às respectivas Juntas e os recursos de que normalmente dispõem.

Não admira assim que por exemplo na União de Freguesias onde resido - em que há quase 50 mil cidadãos -  o número médio de cidadãos que assiste (e intervem) nas reuniões públicas mensais seja da ordem dos 4 (quatro!), incluindo o autor deste texto. E que tal número não exceda 15 nas reuniões das Assembleias de Freguesia...

É que, para além do facto de os cidadãos se aperceberem que são muito limitadas as capacidades de intervenção das Juntas, e que por consequência o são também no que respeita às Assembleias, a televisão e a internet têm contribuído para a grande redução da convivialidade presencial, que não é substituível pelo aumento da informação electrónica - a cujas "redes sociais" os órgãos de poder local não têm aliás na sua maioria recorrido para motivar uma maior participação cívica e política.

Falou, o Presidente, em descentralização. Tem falado, muitas vezes.
E muito recentemente no Congresso da Associação Nacional de Freguesias.

Porém, e como sei que o Presidente não esquece a diferença entre as acções de descentralização de âmbito administrativo e as de cariz político, gostaria de recordar que a eficácia destas é de um modo geral inversamente proporcional à respectiva dimensão, e que nas de natureza administrativa é imperativo que os recursos sejam adequados às competências atribuídas, que por sua vez não devem ser exíguas - tendo porém que corresponder a critérios de razoabilidade.

Contudo, o facto de se aproximarem eleições para o Parlamento Europeu e para a Assembleia da República recomendaria a aplicação dos seguintes princípios:

- a reorganização administrativa do território das Freguesias só deve entrar em vigor após as próximas eleições autárquicas, pois não seria aconselhável a sua aplicação em pleno mandato;

- deve porém aumentar entretanto e quanto possível o nível de competências dos actuais órgãos de poder local, nomeadamente ao nível das freguesias, bem como claramente ajustados os recursos actualmente atribuídos;

- proceder-se-à a um projecto de correcta divisão administrativa do território das freguesias, não imposta a partir de instâncias exteriores, e estabelecendo limites aceitáveis - sendo uma pedra de toque a distância à sede respectiva, que em percurso pedestre não deveria normalmente exceder 20 minutos, e procedendo à união (ou confirmando agregações existentes) de freguesias urbanas de reduzida dimensão;

- ter-se-à presente a hipótese de em grandes núcleos urbanos se estudar a instituição, em cada freguesia, de bairros que progressivamente fossem o primeiro nível de agregação política e administrativa, permitindo a restauração do convívio que está na base da democracia e que tem vindo a fenecer gradualmente desde que a televisão se instalou nas nossas casas e a internet nas nossas malas ou bolsos (esta, cujas "redes sociais" podem porém constituir um primeiro elemento de prè-convivialidade em cada bairro ou Freguesia).

Com estas disposições, que visam aumentar a proximidade entre eleitores e seus representantes - aqueles então já com mais interesse e capacidade em acompanhar a acção dos eleitos - os partidos políticos provavelmente olharão com mais atenção para quem escolheram ou irão escolher para exercer o poder local, e o seu funcionamento e organização deixarão de estar tão condicionados pelos respectivos órgãos centrais e concelhios, tal como parece ocorrer.

Atitude que ajudará talvez a melhorar o sistema democrático - e deste modo a descentralização no poder local, além de administrativa, será assim também de cariz político.

Perspectiva esta que a União Europeia - uma das nossas prioridades enquanto europeus - deveria considerar mais atentamente do que a que tem adoptado ao considerar que o caminho para uma melhor democracia passa mais por artifícios de natureza institucional, tipo "spitzenkandidaten".

11 de Março de 2018.