"Ponto de vista": Partidos e voto obrigatório.


   Partidos e voto obrigatório.

O "Expresso" de 6 de Janeiro último dedica grande parte da sua atenção ao assunto da participação política dos cidadãos, uma vez que tal tema tinha sido o principal assunto focado na primeira página da sua edição inicial, em Janeiro de 1973.

Constatando que a afluência eleitoral atingiu uma estabilidade assinalável, nem por isso deixa de salientar que não só a taxa de abstenções é excessivamente elevada mas que também existe notório desencanto com o desempenho dos partidos políticos enquanto principais intérpretes do Poder.

Tal desencanto é, de acordo com recente sondagem, mais visível entre a juventude, traduzindo-se numa taxa de abstenção eleitoral bem superior à média.

Assim, a questão da possível obrigatoriedade do voto é suscitada em diversas páginas do "Expresso", parecendo a maioria das personalidades consultadas pouco entusiasmadas com a ideia - e entre elas, a pessoa que segundo a Jornalista Luísa Meireles é quem mais percebe de eleições em Portugal: Jorge Miguéis (com quem tive o gosto de trabalhar em 1976, a quando da organização dos 5 actos eleitorais ocorridos naquele ano, após a entrada em vigor da Constituição).

Deste modo, importa voltar ao assunto do crescente desencanto com a vida política - tal como já o tenho feito inúmeras vezes nestas páginas - e reiterar assim que para tal contribui decisivamente a falta de participação dos cidadãos no acompanhamento da acção dos seus representantes, falta essa que decorre principalmente da carência de atribuições, competências, e recursos, aos órgãos de base do Poder Local: as Assembleias e Juntas de Freguesia.

Tal carência, conjugada com o desastre que foi a reorganização do território das Freguesias, que em 2013 criou super-freguesias com mais de 50 mil cidadãos (!) e ao mesmo tempo eliminou no interior do país inúmeras autarquias que eram o único contacto formal com os poderes municipais e centrais,
contribuiu decisivamente para aumentar o distanciamento entre eleitores e eleitos, sem que tivessem produzido efeitos sensíveis as tímidas disposições legais para atribuição de mais recursos aos órgãos do poder local de base.

É certo que os regimes democráticos existentes tiveram a sua génese no princípio da delegação dos poderes do povo em representantes eleitos para exercícios de mandatos periódicos.

Mas é evidente que o acompanhamento da acção política requer proximidade e participação, de preferência presencial, o que não é compatível com aglomerações de cidadãos superiores a 5 mil pessoas ou em que o tempo em percurso pedestre até à sede do Poder exceda cerca de 20 minutos.

Por outro lado, surgiu há poucos anos na grande maioria dos regimes democráticos a difusão em massa das comunicações electrónicas audio-visuais, cujas redes rapidamente se implantaram profundamente e em especial na juventude, a um nível tal que tem conduzido a notório afastamento presencial, em fenómeno que começa a ser preocupante em termos sociológicos, mas que por outro lado poderia permitir a existência de diálogos participativos entre eleitores e eleitos - porém sempre numa perspectiva de serem considerados elementos motivadores para um aumento dos contactos pessoais frente a frente.

Do que acabo de expor infere-se que os partidos políticos teriam toda a vantagem em acompanhar as modificações e aperfeiçoamentos desejáveis na organização do poder político de base, donde certamente surgiriam os dirigentes e quadros melhor qualificados - e melhor conhecidos dos cidadãos eleitores.

Também se infere que a organização do poder político democrático poderia e deveria ser aperfeiçoada - em termos para os quais já tenho nestas páginas proposto alguns caminhos - e que obviamente não passam pelo voto obrigatório.

7.Janeiro.2018