"Ponto de vista" : Tancos, organização, responsabilidade.


   Tancos, organização, responsabilidade.

O furto de um significativo conjunto de material de guerra armazenado no "polígono militar" de Tancos suscita diversas interrogações sobre a organização das forças militares instaladas naquela área, que só após esclarecida permitirá compreender quem foi responsável pelos lapsos que permitiram que tal vergonhosa situação ocorresse, e accionar disposições que evitem a sua repetição - e, já agora, identificar outras anomalias, não necessariamente do mesmo tipo.

Vergonhosa, mas também delicada, pois se bem que tenham ocorrido episódios de furto de material militar em diversos Estados, nenhum terá incidido sobre o tipo de material desviado de Tancos, susceptível de ser usado com tanta eficácia em acções como as que extremistas de raiz islâmica têm vindo a concretizar, o que caso venha comprovadamente a suceder lançará um duplo anátema sobre o Estado português: o da desorganização das suas Forças Armadas, e o de o material usado delas provir.

Assim, há uma questão que se deve logo colocar: porque é que não existe naquele polígono nenhuma Unidade com a atribuição de zelar pela segurança das instalações, estando tal incumbência repartida em regime de turnos por 5 Unidades diferentes e com objectivos operacionais bem distintos ?

Falta de previsão e de organização, portanto. Da responsabilidade de quem ? Do Estado-Maior do Exército, a quem compete a estruturação do dispositivo militar, face aos recursos disponíveis e às missões atribuídas.

E que, caso as tais objectivos sejam excessivos face aos meios de que se dispõe, deve solicitar a respectiva reavaliação.

As missões prioritárias atribuídas às Unidades militares abrangem sempre a sua defesa (salvo em casos muito excepcionais), e o seu desempenho deve ser analisado através de exercícios apropriados e de inspecções adequadas, cujos resultados devem ser ponderados pelo Estado-Maior do Exército.

Assim, um General convidado a exercer as funções de Chefe do Estado-Maior do Exército deve ponderar, antes da sua aceitação, se estão assegurados os requisitos essenciais para que possa exercer adequadamente o seu cargo, ou, não estando, se lhe é prometido que serão colocados à sua disposição num prazo razoável.

Doutro modo, tal equivaleria a uma situação análoga à de um Oficial da Armada convidado para o cargo de Comandante de um navio sem, por exemplo, a artilharia a funcionar, ou com o casco apresentando fissuras nas suas "obras vivas" (para quem não sabe, a parte que se situa abaixo da linha de água)...

O mesmo se poderia dizer quanto aos 5 Comandantes de Unidades existentes em Tancos que foram exonerados, e que certamente terão apontado em devido tempo as deficiências existentes - doutro modo não teria havido procedimentos em curso visando colmatação parcial da situação através de video-vigilância.

Acresce que, no caso de Tancos, as rondas de fiscalização eram (e ainda o serão?) feitas por pessoal que apenas tinha uma munição na arma, um carregador com algumas munições de salva (isto é, sem bala) e um carregador municiado com munições de combate, mas - imagine-se bem - lacrado. Procedimento determinado por quem ?

Ou seja, no caso de Tancos, parece ter havido não só falta de previsão sobre o tipo de ameaças possíveis à segurança do perímetro e dos seus paiois, como de organização, pois não estava constituída nenhuma Unidade exclusivamente dedicada a zelar pela segurança global de um polígono em que estão instaladas importantes Unidades com missões díspares.

E provavelmente não haveria inspecções por entidades externas que - na eventual inexistência de um Comandante do Polígono militar de Tancos - verificassem se haveria exercícios de simulação de penetrações naquela área.

É que também em tempo de paz as Unidades militares devem permanentemente verificar se para um conjunto de ameaças prováveis, e de uma gama de outras possíveis, mas menos prováveis, há meios apropriados e pessoal adestrado para reagir a tais situações (que aliás já tinham ocorrido precisamente em Tancos no início da década de 70...).

Tudo, ou quase tudo, dito no âmbito militar.

9.Julho.2017.