"Ponto de vista": Acasos e coincidências em 25 de Abril, 1974 .


     
Acasos e coincidências em 25 de Abril, 1974 (Semimórias).

Há dias dei a conhecer nestas páginas alguns momentos vividos entre 24 e 26 de Abril de 1974, referindo que hoje descreveria outros pormenores ocorridos naquelas datas.

Comecei então por referir que embora me tivesse afastado, em 6 de Março de 1974, de contactos conspirativos com Oficiais dos outros Ramos das Forças Armadas (por razões que oportunamente descreverei), na tarde de 24 de Abril de 1974 recebi um telefonema de alguém (de que não me recordo do nome...) informando-me que um movimento militar eclodiria na madrugada seguinte, sugerindo que estivesse atento à Radio.

Regressado a casa, no final de um concerto a que tinha ido assistir no Coliseu, liguei a Radio, e após nada ter ouvido de especial adormeci para só acordar à hora habitual - escutando então a emissão que difundia os primeiros comunicados de um "Movimento das Forças Armadas".

Dirigi-me então para o organismo onde estava colocado (Direcção de Armas Navais, no Alfeite), onde cheguei cerca das 09.30.

Conhecedor das prováveis características do citado Movimento, contactei outros Oficiais da Direcção com quem troquei informações e opiniões, tendo sido decidido propor a todos os Oficiais que se solicitasse ao Director (Comandante Molarinho do Carmo), que nos recebesse, o que foi de imediato concretizado.

Foi então proposto ao Director que caso fosse ordenada qualquer acção fosse respondido que não assumiria quaisquer atitudes contra o movimento militar, compromisso prontamente aceite.

Terminada a reunião, e depois do almoço, decidi deslocar-me à Força de Fuzileiros do Continente a fim de acompanhar eventuais acções que estivessem a decorrer.

Autorizada a minha entrada, desloquei-me ao gabinete do Comandante (Capitão-de-mar-e-guerra Pinheiro de Azevedo) que estava rodeado por toda a sua oficialidade disponível.

(Posteriormente foi-me dito por um dos dos oficiais então presentes - o então Tenente RN Carreiro da Costa - que a minha chegada tinha sido interpretada como uma demonstração de que o Comandante Pinheiro de Azevedo estava comprometido com o movimento militar, o que teria contribuído para tornar mais sólida a sua posição face à oficialidade).

Assisti então ao decorrer de alguns telefonemas trocados entre o então Comandante Pinheiro de Azevedo com interlocutores que se adivinhava serem altos responsáveis da Marinha.

A certa altura surgiu porém um telefonema, que posteriormente me foi indicado como sendo de um "Tenente Barata", pseudónimo do Comandante Almada Contreiras, em que o Comandante Pinheiro de Azevedo, instado pelo Tenente Barata - cuja identidade desconhecia, pelo que o contacto telefónico era muito "cauteloso"... - a enviar uma nova Força em segunda tentativa para ocupação da sede da DGS/PIDE (pois a primeira, no final da manhã, não tinha sido coroada de êxito, e o Comandante Almada Contreiras considerava essencial que a DGS/PIDE fosse neutralizada e que a Marinha tivesse assim uma participação operacional significativa no movimento militar) lhe solicitou, tal como sucedera antes, a indicação de um oficial Superior para superintender.a respectiva acção.

O Comandante Contreiras (com quem eu não falava há mais de um mês) sugeriu-lhe então o meu nome como sendo um Oficial a contactar para o efeito - sem saber que eu já me encontrava a poucos  metros do seu interlocutor, que exclama: "Mas o Comandante Costa Correia está aqui à minha frente!"

O Comandante Pinheiro de Azevedo, perguntou-me então e de imediato se eu aceitaria ser o comandante superior das Forças que se iriam deslocar para proceder à ocupação da sede da DGS/PlDE, bem como e se necessário para obter previamente a adesão do Almirante Ferreira de Almeida, Chefe do Estado-Maior da Armada, ao movimento militar, tendo eu de pronto respondido afirmativamente.

Uma das Forças, o Destacamento de Fuzileiros Especiais comandado pelo 
então Primeiro-Tenente Fernando Vargas de Matos, aguardava instruções junto ao monumento de Cristo-Rei (após ter sido decidido não se concretizar a primeira tentativa de ocupação da Sede da DGS/PIDE por falta de condições operacionais), e a segunda Força iria ser constituída de pronto, tendo o seu comando sido atribuído ao Tenente Lobo Varela.

Dirigi-me então ao local onde onde o Tenente Lobo Varela me aguardava com a sua força (uma Companhia de Fuzileiros "ad-hoc") tendo dirigido a todo o pessoal uma breve alocução explicando que o objectivo principal era a instituição de um sistema democrático no país, em que a liberdade de opinião e de imprensa seriam a pedra de toque.

E no final referi que quem não desejasse integrar a força poderia saír da formatura naquele momento não sendo por isso alvo de qualquer acção discriminatória no futuro.

Ninguém o fez, e - munidos de um burocrático salvo-conduto que nos permitiria (!) a saída da Base Naval - embarcámos nas viaturas que nos iriam transportar para Lisboa.

E, no que me respeitava, após um curioso conjunto de acasos e coincidências que, como em outras ocasiões, pautaram a minha vida.

29.Abril.2018
(Modif. 30. Abr.: "não se concretizar a primeira tentativa de ocupação" - foi intercalado "primeira tentativa de ")