"Ponto de vista": Os arquivos da DGS/PIDE - distorções históricas.


   Os arquivos da DGS/PIDE - distorções históricas.

O semanário "Expresso" publicou, na sua mais recente edição, um documento de investigação do distinto Jornalista e Historiador José Pedro Castanheira a propósito do paradeiro de arquivos da DGS/PIDE, em que relata episódios ocorridos principalmente no Verão de 1975, baseados essencialmente no testemunho do Coronel José Aparício, então Comandante da PSP de Lisboa, cujo inegável prestígio lhes confere toda a credibilidade.

Entre tais episódios ressalta a observação directa da retirada de grande quantidade de caixas da sede da ex-DGS/PIDE e seu transporte para um avião da Aeroflot, companhia da então URSS.

José Pedro Castanheira refere que o conteúdo das caixas só viria a ser revelado em 1994, no livro "Memórias de um espião", do antigo general do KGB Oleg Kalugin, que afirma que se tratava de uma "montanha de dados classificados" que teria passado pela Embaixada da URSS antes de seguir via aérea para Moscovo.

No mesmo documento são transcritas afirmações do Coronel Otelo Saraiva de Carvalho segundo as quais "a maior parte da documentação" teria sido levada para Moscovo "logo a seguir ao 25 de Abril, quando se formou a Comissão de Extinção da PIDE/DGS".

Testemunha presencial das primeiras semanas decorridas após a ocupação militar da sede da ex-DGS/PIDE, considerei útil recordar agora (recorrendo apenas à minha memória e por enquanto não a apontamentos que então elaborei - de que alguns originais e cópias se encontram no Centro de Documentação "25 de Abril", da Universidade de Coimbra) alguns factos que podem ajudar a explicar a provável natureza da "montanha de dados classificados" a que se refere o general Kalugin.

Os arquivos "sensíveis" da DGS/PIDE poderiam ser classificados em três categorias: os "CI2", contendo informações sobre pessoas politicamente opostas ao regime de então; os de escutas telefónicas e respectivas transcrições; e aqueles que respeitassem a colaboração com serviços secretos estrangeiros.

Estes últimos foram entregues, creio que em Junho de 1974, aos serviços de informações militares através do então tenente-coronel Belchior Vieira,

Os CI2 e os relativos a escutas foram transportados oficialmente para o Forte de Caxias, em Julho de 1974 (creio que na primeira quinzena), por se ter entendido que ficariam em melhor segurança do que nas instalações da R.António Maria Cardoso, o mesmo acontecendo com os arquivos "SR", não tão "sensíveis", pois embora respeitassem a centenas de milhares de cidadãos continham principalmente informações de carácter burocrático - uma vez que se passasse a considerar os seus titulares como oposicionistas transitavam para o CI2".

Creio assim que apenas terão ficado assim nas instalações de Lisboa os processos que a DGS/PIDE "instruia" com vista aos "julgamentos" de oposicionistas - ou nem isso - nos tribunais plenários, uma vez que os conteúdos de tais processos (com pouco valor em termos de informação "sensível") passaram a constituir uma das bases principais para acusações nos julgamentos dos funcionários e agentes da DGS/PIDE.

Suponho, assim, que a "montanha" que viajou da R.António Maria Cardoso para Moscovo "pariu um rato"...

10.Abril.2016.