Frei Eugénio Boléo e a Paz - um notável documento


GUERRA:
ONDE OS CONTRA-VALORES SE APRESENTAM COMO VALORES

                A minha comissão em Angola como oficial de Marinha fuzileiro especial, foi de 1963 a 65 e quase toda passada nas fronteiras, no rio Zaire e em Cabinda.            
A meio da comissão,  tive que ficar a comandar o meu Destacamento e a ter que lidar com os Serviços de Informações Militares, a colaborar com a PIDE, a tratar de questões com informadores e refugiados no outro lado das fronteiras  e a participar em reuniões operacionais a um nível que habitualmente se tinha quando se era  comandante de batalhão.
Aos 25 anos “entrei” na podridão da guerra. Foi um choque tremendo!
Não era a guerra das operações militares, a guerra dos tiros, bazucadas  e morteiros. Era a “guerra” que estava por trás, onde não há escrúpulos, nem regras morais de qualquer espécie.
                A tortura mexeu muito comigo
                Descobri que nas guerras modernas de guerrilhas são as populações civis que mais sofrem e vivem numa insegurança constante.
Descobri que as guerras criam uma situação em grande escala, onde os contra-valores se apresentam como valores.
Viver assim é viver no verdadeiro inferno, onde a Historia se faz com guerras e destruições sucessivas. É a espiral da violência como motor da História.
Foi no meu meio deste “quadro” que dentro de mim surgiu a convicção de que esse Deus que nunca ninguém viu, era mesmo Pai, como Jesus de Nazaré veio dizer.
Foi esta presença de Deus que passei a reconhecer que é Pai de cada um e de todos, violentos e violentados,  que  deu uma orientação nova à minha vida. 
Descobri ainda que a maioria das pessoas que encontrava, militares e civis, mesmo os que se diziam crentes, no fundo de si mesmos tinham um grande receio de Deus, muito poderoso e distante, cuja protecção desejavam mas na qual acabavam por pouco confiar.
Senti-me impelido então  a trocar as armas de guerra pelas armas de paz. Mas sendo eu oficial de carreira, em plena guerra colonial  era praticamente impossível sair da Marinha a não ser por motivos médicos muito graves. Ora saúde tinha eu!
               Se pude trocar a farda branca e azul da Marinha pelo hábito branco e preto dos frades pregadores, foi graças a uma série de circunstâncias e de ajudas imprevisíveis. A coisas acontecem como Deus quer e quando Deus quer. Ontem,  hoje e  amanhã.

Muitos vieram do Ultramar com grandes traumas e eu também trouxe um pesadelo que me acompanhou durante muitos anos. Mas dou graças a Deus que  me permitiu desenvolver até hoje  a capacidade de  me indignar e de ser persistente  em causas consideradas perdidas ou que abalam as normas estabelecidas. Quando uma causa é inspirada por Deus e o homem se empenha nela, Ele próprio abre as portas ou deita abaixo os muros.
A paz, supremo Bem, não se constrói com guerras, sejam elas militares, económicas, religiosas, politicas ou culturais, mas apenas com as” armas” de Jesus concretizadas em gestos de PAZ.

Bruxelas, 15 de Março de 2011-03-15                       frei Eugénio Boléo